COMPARTILHE ESSA IDÉIA!!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CONTO - CONSCIÊNCIA PESADA


SAUDAÇÕES VIAJANTES!
Consciência pesada
As finas gotículas que caiam do céu salpicando a imagem de Yara em uma poça d’água agora davam lugar a pingos mais grossos que teimavam em distorcer ainda mais seu reflexo.
Ela estava ali, ajoelhada, prostrada, imóvel, impotente. As lagrimas negras escorriam de seus olhos, a face era de alguém que sentia o mais profundo abandono. Abandono dos amigos, das pessoas em que confiava; de Deus, abandono da própria alma.
Estava sozinha agora.
Como aquilo foi chegar aquele ponto?
Por que tinha que ser daquele jeito?
Passara duas noites como um animal acuado sem saber como reagir à nova realidade, mas naquela terceira foi como se o demônio a possuísse e todo medo foi convertido em fúria assassina. A sede que a debilitava enfraquecendo seus ânimos havia se transformado em estopim para que começasse a matar como uma fera.
Um casal e uma criança. Meu Deus, aqueles olhos!!!
A criança ficou estática ao vê-la surgir das trevas e com um golpe certeiro de suas garras amaldiçoadas retirar um naco do pescoço de sua mãe e perfurar os olhos de seu pai.
O garoto assistiu paralisado ao momento em que se debruçou sobre os corpos e sorveu todo sangue dos pobres diabos que se estrebuchavam contorcendo-se como se a alma ainda tentasse se agarrar a carcaça já sem vida.
Como um bicho vindo do inferno, a idéia de piedade nem lhe passou pela mente. Virou-se para criança, ergueu-a pelos cabelos e sem dar atenção ao choro copioso abocanhou o pequeno pescoço. Drenou toda essência do pequeno ser.
Estava feito. Um abate completo. Um banho de sangue, uma farra diabólica. Yara estava entregue a um torpor de satisfação inigualável. Nunca havia se sentido tão viva, apesar de sua atual situação. Mas logo veio o peso, a moralidade, a culpa!
- Meu Deus, o que foi que eu fiz? No que me tornei?
Eram as perguntas que fustigavam seus pensamentos impiedosamente.
Então a garota fugiu. Desembestou-se pela noite adentro para o mais longe que pode, mas não podia apagar aqueles olhares da família surpreendida de sua memória.
Correu o quanto pode, mas sabia que por mais que quisesse; que se esforçasse, não poderia fugir daquele demônio sedento de sangue que havia se tornado.
Seria assim de agora em diante? Uma morte atrás da outra? Aonde foi parar a doce Yara que costumava distribuir biscoito aos velinhos no asilo todo domingo de manhã?
Esse turbilhão de perguntas se misturava dentro de sua cabeça e logo desatou a chorar. Lagrimas negras. Chorava sangue e ódio. Ódio do que tinha se tornado. A madrugada foi invadida por uma garoa que parecia querer acalmar a adolescente morta viva.
Yara desabou ali e ficou observando o próprio reflexo na água que havia se empoçado em uma falha no asfalto deteriorado. Era isso que Yara era agora. Um reflexo distorcido. Uma maldita vampira!


Fim

Por: Ermes Le Fou


Um comentário: